A Escuridão e As Nozes
Jodhi Segall
É assim: a escuridão e as nozes.Mas sinto a falta dos momentos
- raros, parcos, curtos, oblíquos, integrais –
onde o amor se fez presente,
onde olhar foi coerente com discurso.
O curso,
onde as mãos
(ainda que envergonhadas e tímidas)
lapidaram o buril e afagaram a rosa;
onde os ombros ladeados partilharam o tempo e
suportaram o látego de toda a escuridão.
Iluminamos: sempre iluminados somos.
Um dia partimos.
E nos perguntamos sobre buracos negros
e super-novas...
Olhamos para o campo e perguntamos: onde as flores semeadas?
Caminhamos pela cidade e verificamos nossos fragmentos
diluídos por entre mutilados e impérios.
Impropérios. Sempre proferimos impropérios...
Mas nada é sério demais para se levar para o túmulo.
Talvez o riso de alguém que amamos.
Ainda que a renúncia seja um cárcere, ou
a liberdade, escravidão.
Autocaricato
Vou verificando, aos poucos, minhas fealdades.
Vou me adonando de meu poço raso, semi-árido.
Salobra as águas deste fundo.
Rascante este vinho acre, acético,
fermentado ao excesso, não sorvido em seu tempo bom.
Deixado ao léu, sob véus e mantos e às moscas.
Imagens estranhas me estremecem.
Lembranças de ameaças contínuas.
De rivalidades absurdas, abstratas, invisíveis, mas concretas.
Pavimentadas.
Organizando meus últimos trabalhos
(se é que posso de chamá-los meus...),
encontrei suas cartas.
Alguns poemas seus.
Alguns nossos.
Quase todos ossos.
Nenhum ócio, apenas ofícios...
Ou pedidos extremados de socorro
inaudíveis.
Cego, tateei o Braile das estrelas
em busca de chão.
No sem perdão ou Deus que o valha,
restou-me este mediocre ser que
não é homem
nem inconfidência.
-=-
Clave de Sol
Jodhi Segall
Epopéia.
Coxas entrelaçadas nas labaredas
do céu.
Espera na busca do delírio:
suor
melodia
e ego.
Curas.
Revela pensante o animal: amante.
Usa-me.
-=-
O Corpo
Jodhi Segall
Masculino este meu corpo se heterogeniza, sexualiza,
revela e muta, descarna: deságua em feminino absoluto.
Fundidos, atados, corpo e alma solidificam:
unificam, purificam, autenticam.
Masculino, este meu corpo se rebela à mera função de macho
reprodutor,
consumidor de fêmeas,
de primata.
Minha alma feminina o guia e protege e ilumina;
ousa em asas, afirma: ascende rasgada, dissecada;
exposta, nada priva.
Livre, meu masculino corpo se dilui...
Ama, entrega: integra, desintegra, marca.
Semeia e segue.
-=-
O Dadivoso
Jodhi Segall
Desculpa-me amor
Se me atraso
Tudo em nós é fundo
E raso
O apressar do tempo
Não podemos
Aguarda em tuas
Revoluções
Em evoluções
Vou-me em entregas
Absolutas
Nada tema amor
Simplesmente
Ama.
-=-
Shangrilah Paradise Motel
Jodhi Segall
Seguir. É assim que fazemos.
Paixão é melhor, nada de posses,
de algemas, de castros.
Nada de mitos, de ritos.
Laços afins, só, mais nada.
Sem dó, sem ré. Só mi.
Seguir. Foi assim que aprendemos.
Cuidamos, protegemos. Marcamos nossos
territórios: nada de ciúmes, sem cobranças
nem horários nem esperanças.
Sem fusos.
Assim é simples, maneiro, leve.
Casual. Nada de confusos.
Uma emoçãozinha aqui, outra ali.
Sexo intelectual, entende?
Sem aquele ficou, marcou, feriu, sangrou
E seguiu.
Seguir é assim que fazemos.
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